sexta-feira, 12 de outubro de 2012

O ‘último show’ e os planos de Chico Buarque


Em rara entrevista, no ar em seu site, o artista comenta a relação com palco e plateia



O compositor conta que desde que acabou a turnê fez apenas uma letra, para música de Wilson das Neves
Foto: Reprodução
O compositor conta que desde que acabou a turnê fez apenas uma letra, para música de Wilson das NevesREPRODUÇÃO
RIO - O lançamento do DVD “Na carreira” (Biscoito Fino), mais que uma oportunidade de ter o registro da recente turnê de Chico Buarque, é uma lembrança de que ela chegou ao fim. E, como o próprio compositor brinca num dos depoimentos que vem postando diariamente no site www.chicobastidores.com.br, fica sempre no ar o temor de que esse seja o último show:
“Teve um show assim, acho que foi em Goiânia, que eu estava no quarto do hotel e liguei a televisão para ver o noticiário. Tinha havido um problema com o teatro, não sei se a prefeitura não estava querendo ceder o teatro, um problema de ordem burocrática. Talvez não houvesse o show. Lembro do comentarista: ‘Chico Buarque está com mais de 50 anos, talvez ele nunca mais venha à Goiânia, vamos liberar esse teatro’. Eu com 52, 53 anos e eles achando que eu nunca ia voltar mais”. Em Portugal, perguntado sobre a grande procura de ingressos para vê-lo, ele conta ter respondido que “as pessoas querem ver antes que acabe”: “Tem aquela coisa de tirar fotografia, ‘não posso morrer sem tirar uma foto com você’. O que eles querem dizer é: ‘não posso você morrer sem eu tirar uma foto com você’ (risos)”.
Novo CD não está nos planos
Na série de vídeos curtos da entrevista (feita por Bruno Natal e Pedro Seiler) que o site vem exibindo entremeados com cenas do show, Chico fala de temas como sua relação com o palco e com a plateia, a evolução do espetáculo na estrada e os critérios da escolha do repertório. Nos trechos que ainda serão publicados — e aos quais O GLOBO teve acesso —, o artista de raras entrevistas comenta, entre outros assuntos, os planos para o futuro com o fim da turnê:
“Depois do show, a única coisa que fiz foi uma letra para o Wilson das Neves. Aliás, não tinha como escapar, eu estava com ele todo dia: ‘E aí, chefia, cadê minha letra?’. Não estou pensando em compor, não estou pensando num novo disco tão cedo. Por mim, gostaria de escrever um romance, uma coisa assim. Mas não comecei, ainda estou me refazendo do show. Porque tem sido assim, disco, depois livro... Mas nada me obriga a escrever. Pode ser que dê vontade de voltar ao violão, fazer um disco mais cedo, num intervalo menor. E show também, quem sabe?”.
A presença de Das Neves é destacada pelo compositor em outro depoimento. Chico comenta uma brincadeira que faziam no show, da passagem de chapéu do baterista para ele — um lance que causava efeito na plateia e que, conta o compositor, surgiu sem que fosse planejado.
“Gostava muito das minhas brincadeiras com o Wilson das Neves, elas foram evoluindo com o tempo. A brincadeira do chapéu (no dueto que faziam, Wilson pousava seu chapéu aos pés de Chico, em sinal de reverência e, ao fim, Chico o punha na cabeça) foi sem querer. Um dia, o Das Neves esqueceu o chapéu aos meus pés. Aí ele foi para a bateria, eu peguei o chapéu, ele falou: ‘bota!’. Eu botei. Aquilo foi incorporado ao show”.
As mudanças, nota Chico, se estenderam ao show como um todo ao longo da turnê:
“Todo show vai evoluindo. Antes de cansar ele acaba. Geralmente acaba quando está bom. Agora que chegou quase à perfeição, ele acaba. E é bom que seja assim”.
Ao lado do tema do fim, naturalmente presente no momento em que a turnê termina, Chico remonta à origem do espetáculo, feito a partir do repertório do CD “Chico”, lançado no ano passado:
“Estava meio relutante, não sabia se ia fazer show. Comecei a me animar porque já estava com as músicas do disco na mão, tocava violão. Comecei a procurar no meu repertório antigo canções que eu gostasse de tocar. Algumas eu aprendi a tocar de novo, outras mexi, tem harmonias novas. Lembro que fui passar uns dias em Buenos Aires com o violão, procurando músicas não só menos conhecidas, mas as que eu nunca tinha cantado em público ou que não cantava há muito tempo. O repertório tinha que ser inteiramente diferente, na minha cabeça, do repertório do último show. Aquelas 20 e tantas músicas não valiam. Partindo das dez músicas do disco, juntando outras tantas que me dessem prazer. Uma música puxava outra. Fui sem querer para as músicas do teatro, uma série cantada no feminino, talvez por terem sido feitas para o teatro. Várias canções ali nunca tinham sido tocadas. Porque fiquei um bom tempo sem fazer show, entre 1975 e 88, tem todo um repertório aí de canções que eram inéditas no palco”.
A forma como o local do show altera a apresentação também foi abordada por Chico, apontando diferenças entre tocar em casas de shows e teatros:
“Nessas casas de show as pessoas bebem, o garçom passa. É simpático, mas é um pouco dispersivo. No teatro fica uma coisa mais concentrada, o show muda. Não prefiro uma coisa a outra. Em Fortaleza era uma casa enorme, que não tinha paredes, um pouco estranha. E era uma farra, era um carnaval. As pessoas cantavam juntas o show inteiro, as músicas novas... As de mais sucesso, em toda parte cantavam, mas lá era um karaokê. Eu podia ficar sem voz que o show ia em frente”.
Chico afirma que estar no palco é prazeroso, apesar de a composição ser sua motivação maior:
“Se deixar eu fico quieto aqui fazendo minhas canções, escrevendo meus livros. Meu trabalho primordial é o de autor, de criador. A parte de show para mim é secundária. Mas quando acontece dá uma energia nova muito boa. Dá vontade até de fazer novas músicas, para um novo show daqui a cinco anos, seis, sete...”, diz, preocupando quem pensa como o comentarista no noticiário goianiense.

http://oglobo.globo.com/cultura/o-ultimo-show-os-planos-de-chico-buarque-6377036#ixzz2963nwV2O 


Fonte: Oglobo

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